Por uma interpretacao aberta do Direito

AutorMatheus Barreto Gomes
1 Introdução

O Direito é um fenômeno elaborado e percebido pelo logos. Definitivamente, não é o Direito um fenômeno natural captado pelos sentidos do Homem, mas, sim, trata-se de uma instituição que não prescinde da inteligência humana, da racionalidade, sendo, pois, um elemento cultural, haja vista ser criado pelo Homem e para o Homem.

Enquanto elemento cultural, o Direito é multifacetário e cambiante, o que não faz soar tão despropositado a seguinte afirmação: O Direito não é, está sendo. Fenômeno fluído, o Direito serviu e foi servido pela Humanidade em sua escalada civilizatória. Sob este aspecto é analisado sob vários prismas, o que é visto nas escolas doutrinárias que criam a análise econômica do Direito; a análise sociológica; a análise jurídica dentre outras. O que não percebem, todavia, é que tratam do mesmo fenômeno, analisando-o sob um ponto de vista, é um olhar viciado sob uma estrutura que não é senão um amálgama cultural de per si.

O Direito é linguagem que encontra-se por toda parte. O pensamento Humano busca elaborar uma representação dessa linguagem e o faz por meio da interpretação. Dito isto, a pergunta que surge ao leitor é: quem deve interpretar o Direito? Pessoas escolhidas por um consenso? Pessoas escolhidas por critérios meritórios? Uma pessoa? Alguma pessoa? Todas as pessoas? Ninguém?

Em um Estado que se diz Democrático, a interpretação do Direito, algo que reflete diretamente na dinâmica da sociedade, vez que esse, como será demonstrado, só existe após ser interpretado, deve ser pluralista. De modo que, a legitimação da interpretação do Direito só será alcançada se no procedimento concretizador do mesmo se buscar, de forma ótima, abarcar todos os pontos de vista da sociedade regulada por ele.

Neste contexto, verifica-se que a Democracia, também elemento cultural, é cambiante e, dessa forma, não deve ser vista mais como a tirania da maioria, mas, sim, um mecanismo de respeito às posições das minoria que expõe suas vontades através do processo.

2. O direito e seus intérpretes
2. 1 A interpretação e a condição humana

O ser Homem implica, necessariamente, em ser intérprete. Desse modo, perante o mundo que se apresenta outra postura não é dada ao ser humano senão a de um constante interpretar.

Interpretam-se as coisas, os fenômenos naturais, os outros seres, bem como as entidades culturais criadas pelo homem, dentre as quais, identifica-se o Direito.

Neste sentido, são as palavras de Manoel Jorge e Silva Neto (2001, p.66):

A interpretação é um plano preconcebido de ação do homem tendente a modificar a realidade circundante através do pensamento, que se constitui um pressuposto para o agir. O pensamento, precedido pela alteração (estado conflitual em que elementos externos "roubam" a capacidade de interiorização do ser humano), desencadeador, por sua vez, da ação, configura fenômeno que não pode ser extirpado da natureza humana, porque o homem só é homem porque age após consumar a contemplação, o pensamento.

A idéia de que o Homem percebe o mundo por meio da interpretação é corroborada, notadamente, por Descartes (2006, p. 42) que atribui ao pensar e, pois, à capacidade de interpretar, a condição de essência do ser humano, eis suas palavras: "Por aí compreendi que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste exclusivamente no pensar e que, para ser, não precisa de nenhum lugar nem depende de nada material".

Completa as lições de Descartes José Ortega y Gasset (1960, p. 86), vez que para este, deve-se ensimesmar-se ou, como quer aquele: pensar, mas, não só isto, deve-se agir após o pensar, pois o Homem está inserido em uma realidade circundante da qual não pode sés esquivar, eis suas lições:

Não a vida não é existir só a minha mente, existirem as minhas idéias: é totalmente o contrário. A partir de Descartes o homem ocidental tinha ficado sem mundo. Mas viver significa ter de ser fora de mim, no absoluto fora que é a circunstância ou o mundo: é ter de querendo ou não, enfretar-me e chocar-me, constantemente, incessantemente com quanto integra esse mundo: minerais, plantas, animais, os outros homens. Não há remédio. Tenho de atracar-me com isso tudo.

Outra questão que deve ficar bem definida diz respeito ao fato de que o interpretar, fenômeno indissociável do ser humano se dá de formas variadas, não é possível afirmar a existência de uma interpretação correta para cada fenômeno que se apresenta ao ser humano. É preciso ficar claro que, o método e o resultado da interpretação são resultantes das variáveis pré-compreensões de cada um.

Os valores morais, sociais, religiosos, éticos, dentre outros, incorporados por cada pessoa são consideráveis no processo interpretativo. Não é dado mais, em tempos correntes, buscar uma extirpação valorativa do pensar; contemplar; agir; interpretar.

O filósofo austríaco Karl Popper (1987, p. 186) compartilha da posição aqui defendida de que o interpretar é, senão, o mesmo que retirar um significado à partir de um lançar de olhar próprio e valorado, eis suas palavras: "A interpretação é principalmente um ponto de vista, cujo valor reside em sua fertilidade, em sua força de lançar luz sobre o material histórico, para levar-nos a encontrar novo material e para ajudar-nos a racionalizá-lo e unificá-lo".

Cientes desse processo imanente ao Homem, outros filósofos, se posicionaram sobre a questão da interpretação e, conseqüente, busca da verdade, ainda que sapientes que se trata esta última de uma estrutura de contornos abertos e variáveis e por que não inalcançável.

Para Martin Heidegger (2006) a angústia é uma situação existencial do ser humano. É ela a resultante do processo interpretativo. É por meio dela que o Ser pode alcançar o dasein. Trata-se do momento em que este, despido de todos os seus estados de espírito - valores, pré-compreensões -, se vê na possibilidade de encontrar a verdade.

Outro filósofo a tratar da questão da interpretação fora Edmund Husserl (2006). Este, por sua vez, elucida que o ser humano está cercado por fenômenos, bem como, que estes para serem percebidos não prescindem de interpretação.

Nesta esteira, afirma que compete ao indivíduo/intérprete, feita a observação dos fenômenos, buscar o "eidos" daquele. Esse processo se dá por um método que o filósofo denomina de redução fenomenológica que é a "limpeza" da palavra representativa do fenômeno até se chegar à clareza desta, a sua essência, ao seu "eidos".

Ressalte-se que o processo de redução fenomenológica não se dá de forma equânime, o que implica dizer que o "eidos" de um intérprete, muita vez, é o fenômeno de outro. A limpeza da palavra - processo interpretativo - já é um processo amplamente arraigado com os valores daquele que o faz1.

Não por outro motivo, fácil concluir que o Direito, suas normas, seus princípios, tudo o mais que constitui sua estrutura estão postos empiricamente - textos jurídicos - ou metafisicamente - valores - no mundo, são, pois, na acepção de Husserl (2006) fenômenos passíveis de interpretação.

Observa-se que o processo interpretativo em Heidegger (2006) tem como última etapa o encontro com a verdade, já com Husserl (2006) a etapa final reside no "eidos". Sucede que, tanto o este quanto aquele são instáveis e cambiantes.

É da maior importância perceber, ainda, que o processo interpretativo não é fechado, nada que já fora interpretado resta impassível de interpretação, até mesmo pelo ser que primeiro o interpretou. Não se pode olvidar que a interpretação é um processo coletivo de criação. Desde que o primeiro homem conseguiu ensimesmar-se e interpretar um fenômeno à partir daí esse fenômeno passa a ser interpretável por todos.

Ainda que soe como clichê, cabe, neste momento, a máxima de que: não há nada no mundo que não seja passível de interpretação, ou, mesmo, reinterpretação.

Ao tratar do tema Karl Popper (2004, p.13) assim asseverou:

A cada passo adiante, a cada problema que resolvemos, não só descobrimos problemas novos e não solucionados, porém, também, que aonde acreditávamos pisar em solo firme e seguro, todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de alteração contínua

Não há, pois, como queriam os positivistas a garantia e a segurança do conceito único. A interpretação é um processo dinâmico, dialético, um constante ir e vir, a condição do homem é de incerteza substancial, não existe aquisição humana que seja firme.

A lição de José Ortega y Gasset (1960, p. 65) ilustra bem o que aqui pretende-se afirmar:

Se a condição do homem é, pois, incerteza substancial, não existe aquisição humana que seja firme. "mesmo aquilo que nos parece mais conseguido e consolidado pode desaparecer em poucas gerações. Isso que chamamos "civilização", - todas essas comodidades físicas e morais, todos esses descansos, todos esses abrigos, todas essas virtudes e disciplinas já "habitualizadas" com que constumamos contar - todas essas garantias são garantias inseguras que, a qualquer cochilo, ao menor descuido, escapam de entre as mãos dos homens e se desvanecem como fantasmas.

Valendo-se de outras palavras, Martin Heidegger (2006) atribui a esse estado de alerta do homem, esta condição de não se contentar com as verdades já postas e transmitidas, o nome de cuidado. Cuidado, pois, seria o permanente estado de atenção do indivíduo para que evite-se o estado de alienação. É, assim, perceber que o processo interpretativo não se esgota2.

Colaciona-se, nesta esteira, as belas palavras de José Ortega y Gasset (x, p.64) ao tratar da...

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