Proteção à Relação de Emprego: promessa, efetividade de um direito social e crise

AutorGilberto Stürmer
CargoAdvogado. Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da Faculdade de Direito – Graduação e Pós-Graduação, Coordenador do Curso de Pós-Graduação – Especialização em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na Faculdade de Direito. Mestre em Direito pela. Doutor em Direito do Trabalho
I– Introdução

Desde o início do primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem-se discutido os temas “Reforma Trabalhista” e “Reforma Sindical”. Inicialmente há que se dizer que este autor entende esta classificação de forma distinta: “Reforma Trabalhista”, tratada como reforma das relações individuais de trabalho é gênero, das quais são espécies a “reforma das relações individuais de trabalho” e a “reforma sindical”.

É preciso deixar claras as diferenças e, ainda que o tema esteja constantemente na pauta desde o início de 2003, até hoje pouco ou nada foi feito. De qualquer forma, do ponto de vista eminentemente técnico, a reforma das relações individuais de trabalho deve ser discutida depois da efetiva reforma sindical. É que, alteradas as relações coletivas de trabalho, haverá espaço para discussão das relações individuais de forma distinta, ou seja, deverá ser possível examinar necessidades específicas das diferentes categorias2 de empregados3.

De qualquer forma, um tema específico das relações individuais de trabalho, as despedidas arbitrária e sem justa causa, tem previsão constitucional como garantia fundamental desde que a atual Constituição Federal foi promulgada, em 05 de outubro de 19884.

Desde então, o tema seguidamente volta ao debate. Foi assim no Governo Fernando Henrique Cardoso e voltou no ano de 2008, quando o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva relançou a discussão acerca da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho.

É que, reitera-se, a proteção contra a despedida arbitrária é direito fundamental, em tese, de aplicabilidade imediata.

Entende-se, todavia, que, ainda que a proteção contra a despedida arbitrária, inserida no artigo sétimo da Constituição Federal, faça parte dos direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal de 1988, a sua aplicabilidade não é imediata, já que a própria Constituição determinou que a regulamentação da matéria se dê por lei complementar.

O que cabe à sociedade exigir, isto sim, é a regulamentação do inciso primeiro do artigo sétimo da Constituição Federal (dentre outros) que, por absoluta falta de vontade política, passados quase vinte e um anos da promulgação da Carta ainda não se tornou efetivo.

Não se pode atropelar o bom senso e o processo legislativo sob pena de, mais uma vez, tornar letra morta a já abalroada Constituição.

A idéia aqui é, portanto, tentar demonstrar do ponto de vista estritamente jurídico, que a única proteção hoje existente contra a despedida arbitrária é a indenização prevista no artigo dez, inciso primeiro, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Não há previsão legal de outra hipótese e, definitivamente, não se aplica no ordenamento interno, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, ainda que se discuta a circunstância desta ser um Tratado internacional de direitos humanos.

Importante referir, ainda, que no final do ano de 2008, com a crise mundial decorrente das quebras de bolsas de valores e instituições financeiras, voltaram à pauta os temas do emprego, a sua estabilidade e a tentativa de evitar o desemprego.

Por esta razão, o presente artigo trata dos conceitos jurídicos de dispensa arbitrária e dispensa sem justa causa, da indenização no caso da ruptura do pacto laboral, examina a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho e o artigo quinto, parágrafo terceiro da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e, por fim, a crise mundial do final de 2008 e seus reflexos no emprego e na manutenção do emprego.

II-Dispensa Arbitrária e sem justa causa

Em 1923, o Deputado Federal Elói Chaves, oriundo da categoria dos trabalhadores em estradas de ferro, apresentou e conseguiu aprovação no Congresso Nacional, lei que ficou conhecida com o seu nome: Lei Elói Chaves. A lei dispunha que os trabalhadores em estradas de ferro que completassem dez anos de efetivo serviço no mesmo emprego, tornar-se-iam estáveis, somente podendo ser despedidos por justa causa ou força maior.

Em 1935 o direito se estendeu a outros trabalhadores e, em 1943, através do Decreto-Lei número 5.452, de 1º de maio, ingressou na Consolidação das Leis do Trabalho5. Foi também a então nova CLT que dispôs que os trabalhadores que não tinham dez anos de serviço e fossem despedidos imotivadamente, receberiam uma indenização de 1 (um) mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a 6 (seis) meses6.

Em 13 de setembro de 1966, foi promulgada a Lei 5.107, que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Referida lei, que com a vacatio legis entrou em vigor em 01 de janeiro de 1967, apresentou a alternativa denominada coexistência de sistemas, ou seja: os trabalhadores poderiam se manter no sistema anterior (indenização/estabilidade), ou optar pelo novo sistema denominado Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, onde abririam mão da estabilidade decenal e, uma vez despedidos, receberiam a título de indenização, a liberação dos depósitos efetuados mensalmente pelos empregadores no curso do contrato de emprego (oito por cento sobre a remuneração paga ou devida), mais uma multa de dez por cento sobre os referidos depósitos corrigidos e com a incidência de juros.

A coexistência de sistemas durou quase vinte e dois anos. Em 05 de outubro de 1988, promulgada a Constituição Federal que, entre outras modificações, dispôs que o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço passaria a ser direito de todos os trabalhadores urbanos e rurais7, ou seja, a nova Carta não recepcionou os artigos 478 (indenização) e 492 (estabilidade) da CLT.

A idéia dos constituintes era definir todas as regras decorrentes da extinção e da proteção do emprego através da lei complementar a que se refere o inciso primeiro do artigo sétimo da Constituição Federal, que dispõe: “relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. Ensina Süssekind8, que a proteção de que cogita a Carta Magna corresponde a um conjunto de normas aplicáveis à despedida arbitrária ou sem justa causa: indenização compensatória (inciso I), seguro-desemprego (inciso II), levantamento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (inciso III) e aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (inciso XXI). De qualquer forma, tais direitos (com exceção da proporcionalidade do aviso prévio) são efetivos desde a promulgação da Constituição.

Ocorre, todavia, que a proteção e a indenização pretendidas pelo inciso primeiro do artigo sétimo, dependem de lei complementar, inexistente até hoje.

Vejamos o dispositivo dividido:

  1. proteção da relação de emprego contra as despedidas arbitrária ou sem justa causa...;

  2. ...nos termos de lei complementar...;

  3. ...que preverá indenização compensatória...;

  4. ...dentre outros direitos.”

Ante a lacuna existente pela ausência de lei complementar, cabe, através da analogia, inicialmente conceituar “despedida arbitrária” e “despedida sem justa causa”. É certo que o constituinte de 1988, ao separar as duas hipóteses, pretendeu emprestar maior proteção à forma arbitrária, o que deve (ria) ocorrer a partir da promulgação da lei complementar até hoje inexistente.

Determina a Lei de Introdução ao Código Civil9 que, quando a lei for omissa10, a analogia será uma das formas do juiz e o intérprete do direito resolver as questões de lacunas11.

Na falta de leis específicas a conceituarem as duas espécies de despedida, por analogia tem-se utilizado o artigo 165 da CLT12 que, ao tratar da proteção do emprego dos dirigentes das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), dividiu e clareou as definições: “Os titulares da representação dos empregados nas CIPAs não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.”

Assim, tem-se que a despedida arbitrária é aquela absolutamente imotivada, ou seja, a chamada “denúncia vazia” do contrato. As outras hipóteses dividem-se em disciplinar – que trata das hipóteses de justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador13 - e aquelas que têm motivo técnico, econômico ou financeiro e que, embora não estejam enquadradas nas chamadas hipóteses de justa causa, constituem motivo não arbitrário para despedida.

Ainda que parte respeitável da doutrina desconsidere a diferença entre as duas hipóteses, entende-se bem clara a distinção hoje existente. O que não tem distinção, ante a ausência de lei complementar14, é a atual forma de indenização nas hipóteses de despedida arbitrária ou sem justa causa, a ser tratada no seguinte tópico.

III-Indenização e proteção contra a despedida arbitrária

Não há no ordenamento jurídico brasileiro, reitera-se, outra espécie de indenização ou de proteção contra a despedida arbitrária, que não a inicialmente prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e, posteriormente, na Lei 8.036, de 11 de maio de 1990...

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