Brasil. Salud y Políticas públicas

Autor1.Flávia M. G. Pessoa - 2.Clara C. Machado
Cargo1.Juíza do Trabalho Substituta.Professora Adjunto da Universidade Federal de Sergipe - 2.Professora Substituta na Universidade Federal de Sergipe. Advogada. Pesquisadora do grupo de pesquisa “Hermenêutica Constitucional Concretizadora dos Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações Sociais” da Universidade Federal de Sergipe
1. Introdução

Este artigo tem por escopo identificar as principais divergências existentes em relação ao modo de efetivação dos direitos sociais, notadamente os de natureza prestacional haja vista o alegado caráter de “programaticidade” destes e o limite da “reserva do possível”. Nesse contexto, aprofunda o direito à saúde e demonstra que este pode ser efetivado através da atuação judicial.

Para se atingir o objetivo proposto, divide-se em três partes. Na primeira, analisa-se a conceituação e conteúdo dos direitos fundamentais e especificamente o direito fundamental à saúde. Na segunda, retrata-se a importância da aplicação direta e imediata dos direitos sociais e defende-se a possibilidade de controle judicial de políticas públicas em casos concretos. Na terceira, discorre-se sobre o controle judicial de políticas públicas na área da saúde. Finalmente, são expostos os resultados alcançados no trabalho.

2. O Direito fundamental à saúde

A conceituação do que sejam direitos fundamentais é particularmente difícil, tendo em vista a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico. Aumenta essa dificuldade, o fato de se empregarem várias expressões para designá-los, como “direitos naturais”, “direitos humanos”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades fundamentais” etc1.

Comentando a distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais a partir do grau de concreção positiva dos direitos, Perez Luño assinala que nos usos lingüísticos políticos e comuns, a expressão direitos humanos aparece como um conceito de contorno mais amplo que os direitos fundamentais, consagrando-se como um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências humanas de liberdade, dignidade e igualdade2.

Alexy3 aponta três conceitos de direito fundamental, que ele classifica em concepções formais, materiais e procedimentais. A concepção formal baseia-se na maneira em que está disposta a normatividade de direito positivo dos direitos fundamentais. Assim, direitos fundamentais são todos aqueles catalogados expressamente como tais na Constituição. Para Alexy4 os conceitos formais de direito fundamentais referidos a catálogos consagrados nas normas constitucionais podem ser úteis, mas em seu fundo deve haver sempre um conceito material de direito fundamental.

Em relação à definição material dos direitos fundamentais, Alexy5 ressalta que é necessário que existam diversos tipos de direitos fundamentais que possam ser correlatos a diferentes concepções de Estado. Assim, por exemplo, para o Estado Burguês, direitos fundamentais seriam os direitos liberais do indivíduo, o que exclui as ações positivas do Estado.

A definição procedimental exposta por Alexy6 aponta para uma definição formal a partir da qual se estabelece que as decisões do parlamento não possam ser tomadas por maioria simples, de forma que se estabelecem quóruns privilegiados para sua modificação.

Outrossim, cumpre frisar que o conteúdo dos direitos fundamentais foi sendo paulatinamente alterado, a partir da verificação do seu caráter histórico. Com efeito, consoante assinala Canotilho, os direitos fundamentais “pressupõem concepções de Estado e de Constituição decisivamente operantes na atividade interpretativo-concretizadora das normas constitucionais”7. Assim, no constitucionalismo liberal, os direitos fundamentais eram considerados os direitos de liberdade do indivíduo contra o Estado, constituindo-se essencialmente nos direitos de autonomia e defesa. A teoria da ordem dos valores, por outro lado, associada à doutrina de Smend e à filosofia de valores, definia os direitos fundamentais como valores de caráter objetivo. Já a teoria institucional dos direitos fundamentais, capitaneada por Peter Häberle, parte da afirmação de que os direitos fundamentais não se esgotam em sua vertente individual, mas possuem um caráter duplo, ou seja, individual e institucional. Por seu turno, a teoria social dos direitos fundamentais parte da tripla dimensão destes direitos: individual; institucional e processual. De sua vez, a teoria democrática funcional acentua o momento teleológico-funcional dos direitos fundamentais no processo político-democrático. Por fim, a teoria socialista dos direitos fundamentais pretende ser uma concepção originária dos direitos fundamentais, o que implicaria em uma ruptura com as concepções liberais.8

Expostas as teorias que pretendem fixar o conteúdo dos direitos fundamentais, importa destacar a classificação dos direitos fundamentais procedida por Ingo Sarlet9 que divide os direitos fundamentais em dois grupos: direitos fundamentais como direitos de defesa e direitos fundamentais como direitos a prestações. Esse último grupo, por seu turno, subdivide-se em direitos a prestações em sentido amplo, direitos à proteção, direitos a prestações em sentido estrito – direitos sociais - e direitos à participação na organização e procedimento.

A primeira divisão apontada, relativa aos direitos de defesa e direitos a prestações, parte da clássica distinção efetivada pela doutrina. Com efeito, os direitos fundamentais de defesa se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos, que deverá respeitar os direitos individuais. Por outro lado, os direitos fundamentais a prestações implicam uma postura ativa do Estado, que é obrigado a colocar a disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material.10

Em relação aos direitos de defesa, esses abrangem não somente os tradicionais direitos de liberdade e igualdade, como também os direitos à vida, à propriedade, às liberdades fundamentais de locomoção, de consciência, de manifestação de pensamento, de imprensa e de associação, além dos direitos que irradiam da personalidade, da nacionalidade e da cidadania, bem como os direitos coletivos.

Em relação aos direitos fundamentais como prestações, estes se encontram vinculados à concepção de que ao Estado incumbe colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais. Dentro da subdivisão, efetivada por Sarlet11 entre direitos a prestações em sentido amplo e estrito, tem-se que, segundo o autor, na rubrica de direitos a prestações em sentido amplo enquadram-se todos os direitos fundamentais de natureza tipicamente (ou, no mínimo, predominantemente) prestacional que não se enquadram na categoria de direitos de defesa. Quanto aos direitos a prestações em sentido estrito, Sarlet12 aponta que estes se reportam à atuação dos poderes públicos como expressão do Estado Social. Trata-se, por outro lado, de direitos a prestações fáticas que o indivíduo, caso dispusesse de recursos necessários, poderia obter através de particulares. São, assim, os chamados direitos fundamentais sociais.

Voltando-se aos direitos fundamentais a prestação em sentido amplo, Sarlet13 destaca os direitos à proteção, que seriam aqueles que outorgam ao indivíduo o direito de exigir do Estado que este o proteja contra ingerências de terceiros em determinados bens pessoais.

Há, também, a dimensão dos direitos fundamentais de participação na organização e procedimento. Tal dimensão, além de outorgar legitimidade ao Estado Democrático de Direito, ao tempo em que assegura uma democracia com elementos participativos. Neste aspecto, Sarlet14 afirma que importantes liberdades pessoais somente atingem um grau de efetiva realização no âmbito de uma cooperação por parte de outros titulares de direitos fundamentais, implicando prestações estatais de cunho organizatório.

Ressalte-se, porém, como faz Andréas Krell15 que a doutrina moderna dá ênfase em afirmar que qualquer direito fundamental contém, ao mesmo tempo, componentes de obrigações positivas e negativas para o Estado. Desta forma, a tradicional diferenciação entre os direitos “da primeira” e os “da segunda” geração seria meramente gradual, mas não substancial, uma vez que muitos dos direitos fundamentais tradicionais seriam reinterpretados como sociais, perdendo sentido, assim, as distinções rígidas.

Dentre os direitos prestacionais em sentido estrito pode-se elencar o direito à saúde, reconhecido e proclamado como direito fundamental da pessoa humana e da coletividade. Neste sentido, a Carta Política do Brasil de 1988 estabeleceu que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Frise-se que, consoante Sueli Gandolfi Dallari, o conceito de saúde adotado nos documentos internacionais de direitos humanos abrange desde a típica face individual do direito subjetivo à assistência médica em caso de doença, até a constatação da necessidade do direito do Estado ao desenvolvimento, personificada no direito a um nível de vida adequado a manutenção da dignidade humana. 16

Evidentemente o direito a saúde deve ser priorizado pelo Estado, vez que é conditio sine qua non para a cidadania, compreendida, segundo as lições de Manoel Jorge e Silva Neto, em sentido amplo. É dizer: “consagrar-se o fundamento à cidadania em sentido amplo é vincular o Estado à obrigação de destinar aos indivíduos direitos e garantias fundamentais, mui especialmente aqueles relacionados aos direitos sociais”. 17

Ademais, insta consignar que o direito fundamental à saúde está inscrito no “mínimo existencial” para a sobrevivência do indivíduo e garantia da dignidade da pessoa humana. Andreas Krell18 sugere que o “padrão mínimo existencial” incluirá sempre o atendimento básico e eficiente a saúde. Desta forma, pode-se afirmar que as prestações a saúde que compõem o mínimo...

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