Aspectos da prova testemunhal no processo do trabalho

AutorFrancisco Alberto da Motta - Peixoto Giordani

Trataremos, nesse espaço, de algumas questões atinentes aos aspectos psicológicos da prova testemunhal, algo que nos fascina e que, por esse motivo, pretendemos, à medida que o tempo nos permitir, estudá-lo de maneira mais intensa ainda, procurando outros elementos que nos auxiliem a ter uma maior e mais completa visão sobre tão interessante tema.

Ninguém desconhece a importância que o capítulo das provas tem para o direito, material e processual e, dentro dele, a relevância da prova testemunhal.

Já se disse, e com boa dose de razão, que a prova é a “alma do processo” (Pereira e Souza) 01, tendo Bentham afirmado até que o processo nada mais é do que a arte de administrar as provas 02. Com efeito, para Jeremy Bentham, “el arte del proceso es esencialmente el arte de administrar las pruebas” 03.

A importância das provas, em sentido lato, acompanha o homem desde tempos imemoriais, pois é uma maneira de o homem conhecer melhor a si próprio, o seu comportamento.

Releva salientar, também, que, ainda quando bárbaras, certas provas, vistas com os olhos de hoje, na sua época tinham por escopo dar certas garantias aos indivíduos, o que era já um progresso; assim, os ordálios, cujas variedades arrepiam só de ouví-las, ao homem de hoje (embora, talvez nem todos, infelizmente...), mas que, apesar disso, duraram séculos em quase toda a Europa, como observa o preclaro Marcelo Caetano 04, que cuida, depois, de expor os comentários do grande escritor português Alexandre Herculano sobre os mesmos e que são os seguintes:

“Por imperfeitas que elas fossem em geral, por bárbaro e absurdo que fosse o sistema dos juízos de Deus, é certo que o pensamento de todos esses métodos mais ou menos complicados, mais ou menos seguros para averiguar a verdade, fora o de criar garantias a favor da inocência contra o crime. Para apreciar com justiça a índole de semelhantes instituições convém que se não vejam à luz da civilização actual, mas que, remontando a essas eras, se meçam pelos costumes e idéias de então, quando o sentimento religioso, não só profundo, mas também exagerado, dava grande valor ao juramento de alma, sobretudo sendo dado sobre a cruz; a essas eras em que se acreditava que, não bastando à providência as leis físicas e morais com que ela revela sabedoria eterna no regimento das cousas humanas, o seu dedo aparecia a cada momento, em manifestações miraculosas, e que a vontade do homem podia compelí-la a semelhantes manifestações”05.

Acolhida essa argumentação, que tem a seu lado a elevada autoridade de quem a expôs e uma irrecusável solidez, fica claro o quanto é difícil e arriscado enxergar apenas com os nossos padrões certos acontecimentos, o que, abstração feita quanto ao tempo decorrido, com o exemplo dado, serve também no que tange à prova testemunhal, quanto ao aspecto que ora nos interessa; em outras palavras, ver com os nossos olhos não significa ver e compreender, em sua plenitude, o que havia e/ou há para ver ou o que efetivamente aconteceu e/ou acontece.

Cabe, por seu turno, ter sempre presente na memória a seguinte realidade: de que adiantará à parte ter um direito se não conseguir provar o fato a que o direito seria aplicável 06; fica, então, fácil avaliar a importância da prova; nesse passo, interessante o recordar a referência feita por Luiz Fabiano Corrêa, em seu trabalho acerca da prova testemunhal, sobre um ensinamento de Jerome Frank, no sentido de que, para este último, “ninguém possui direito algum antes de tê-lo proclamado uma decisão judicial definitiva. Ainda que na realidade os fatos tenham sido outros, de forma que de acordo com o direito vigente a razão estaria com fulano, se na sua contenda com beltrano os testemunhos favorecerem a esse,normalmente também em favor desse será a decisão. Se isso ocorrer, que serventia terá, na prática, o direito teórico de alguém”07.

Enfim, como disse Evaristo de Moraes Filho, citando um outro autor estrangeiro (Bandry-Lacantinerie): “A não existência de um direito e a impossibilidade de prová-la são uma e a mesma coisa, pois se chega nos dois casos ao mesmo resultado negativo” 08; aliás, interessante lembrar que Carnelutti já dizia que, sem as provas, “em noventa y nueve por ciento de las veces, el derecho no podría alcanzar su finalidad” 09.

Olvidar não devemos que, há um bom tempo atrás, já dizia o Professor João Monteiro, reproduzindo ensinamento de Raymond Bordeaux, que: “A teoria da prova em geral é um dos mais vastos assuntos que abrir se possam diante do espírito humano; a filosofia inteira nela se compreenderia, pois que ela mesma tem por objeto a descoberta da verdade” 10. Talvez fosse considerando esses aspectos que Quintiliano, há muito mais tempo ainda, disse que: “O lugar, porém, que mais faz suar os advogados são as testemunhas”11.

Entretanto, especificamente quanto à prova testemunhal, ela não conta com uma ampla confiança do legislador, o que se pode inferir em razão dos limites e restrições estabelecidos em lei quanto a sua realização e admissibilidade, o que foi bem observado pelo grande José Frederico Marques, para quem “a lei tem alguma desconfiança para com a prova testemunhal, o que se manifesta em limites e restrições pertinentes à sua realização e admissibilidade” 12, ao passo que a prova documental goza dos favores da doutrina, que a considera, em muito, superior a prova documental.

Assim, o Professor Arruda Alvim, um dos maiores processualistas que temos, afirma que “a prova testemunhal não pode ser considerada, no quadro das provas existentes, como sendo a prova ideal. Certamente, a prova documental supera-a de muito” 13, embora aceite a “realidade de que as testemunhas muito mais dizem a verdade, do que mentem, e que o testemunho encerra uma ‘presunção’ de verdade” 14.

O culto Eduardo Espínola Filho, após registrar que “há um pessimismo demasiado na generalização das conclusões decorrentes da observação dos fatos” 15, observa que “o testemunho se manifesta sempre como a fonte culminante dos processos” 16, trazendo, em abono a essa observação, o posicionamento de Florian, extraído da obra “Delle Prove Penali”, vol. 2°, 1926, página 68, no sentido de que “quase nenhum processo pode desenvolver-se sem testemunhas; o processo concerne a um pedaço da vida vivida, um fragmento da vida social, um episódio da convivência humana, pelo que é natural, inevitável, seja representado mediante vivas narrações de pessoas” 17.

Quiçá o valor que alguém empreste a prova testemunhal se ligue, em proporção equivalente, ao juízo que essa pessoa faça ou tenha do homem, de uma maneira geral, quanto mais desacreditar do ser humano, menor confiança depositará nessa prova, o que, se bem que se possa entender, deve ser evitado, pena de se viver inseguro, macambúzio e, em casos mais extremos, tornar-se um misantropo, situação que, a par de não resolver a questão, tornaria triste demais a vida de quem assim agisse, e o que é pior, injustificadamente, porquanto, ainda que existam desvios de comportamento entre os homens – e não são poucos, antes, muitos e variadíssimos-, nem por isso se deve deixar de acreditar no homem, fraco e forte, alguns mais e outros menos, sob quaisquer desses aspectos, às vezes sem saber como caminhar num mundo que se lhe afigura hostil e cruel, pela prevalência do valor possuir, esmagando o valor ser, mas que sempre continuará sendo um filho querido do Criador, realidade essa que, o dia em que for sincera e realmente compreendida poderá –assim esperamos-, melhorar, infinitamente, o relacionamento entre os homens.

Aristocles –ou se se preferir pode ser chamado pela alcunha de Platão- em sua obra Górgias, valendo-se dos seus personagens, em trecho no qual o personagem Sócrates refuta o personagem Polo, deixa claro que é mais digno de pena quem comete uma injustiça do que quem a sofre, confira-se:

“Pol. Digno de dó e infeliz, por certo, é quem morre injustamente!

Sóc. Não tanto como quem o mata, Pólo, e não tanto como quem morre por merecer.

Pol. Como assim, Sócrates?

Sóc. Como? Por que o maior dos males vem a ser praticar uma injustiça.

Pol. Esse é o maior? Não é maior sofrer a injustiça?

Sóc. Absolutamente não.

Pol. Assim, pois, tu preferes sofrer uma injustiça a praticá-la?

Sóc. Eu não quereria nem uma nem outra coisa; mas se fosse imperioso ou praticar ou sofrer uma injustiça, eu preferiria sofrê-la a praticá-la” 18.

Com aquele que falta conscientemente à verdade, na condição de testemunha, deve-se ter o mesmo sentimento: de dó, de piedade, por sua fraqueza, por, como seu procedimento denuncia, não ter o espírito preparado e disposto o suficiente para rejeitar certos interesses menores; é lógico que, para tornar possível o reconhecimento e a reparação de certos direitos daqueles que os tiveram desrespeitados, a lei tem de tentar coibir a prática do falso testemunho, nem ninguém, por certo, aceitará ou se conformará em perder um processo porque uma testemunha fez pouco da verdade, por ocasião de seu depoimento, mas o que aqui se coloca vai além desses aspectos, eis que se tem em vista o espírito, a alma, o que há de mais essencial numa individualidade, de maneira que, embora ninguém o queira, sofre menos –no plano que ora se mira- o que tem contra si um testemunho falso, do que aquele que o presta, vistas as coisas, insista-se, de um plano superior, transcendental.

Voltando já a um plano mais próximo do dia a dia, do cotidiano, de acolher a madura observação de Hélio Tornaghi, para quem: “a humanidade erraria se proscrevesse as coisas boas apenas pelo perigo decorrente do seu mau uso. Não são poucas as vidas que o avião tem ceifado. Não obstante são inegáveis os serviços prestados por ele; o homem o vai melhorando como fez com o navio, com o trem de ferro, com o automóvel e com muitíssimas outras coisas perigosas, mas úteis. O conhecimento cada dia maior das regras de psicologia experimental e de crítica histórica (perfeitamente aplicáveis neste campo), de lógica, de psiquiatria etc, torna progressivamente mais seguro e mais...

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