Análise crítica da súmula nº 445 do TST

A (in)aplicabilidade do art. 1.216 do código civil (responsabilidade do possuidor de má-fé pelos frutos colhidos e percebidos) ao devedor trabalhista: Análise crítica da súmula nº 445 do TST

Oscar Krost[1]

“Os desafios, quaisquer que eles sejam, nascem sempre de perplexidades produtivas. Tal como Descartes exercitou a dúvida sem a sofrer, julgo ser hoje necessário exercitar a perplexidade sem a sofrer.”

Boaventura de Sousa Santos[2]

Sumário.

1. Introdução.

2. Fontes do Direito do Trabalho.

3. Súmula nº 445 do TST. Análise crítica.

4. Conclusões.

5. Referências.

1. Introdução.

O Direito, como instância reguladora da vida em sociedade, objetiva não apenas disciplinar os fatos, de modo a garantir a paz e a segurança jurídica nas relações, mas também condicionar condutas futuras, rumo a um ideal de comportamento e de Justiça, entrelaçando os planos do ser e dodever ser, a ponto de Eros Grau considerá-lo um organismo vivo que não envelhece, sendo sempre contemporâneo à realidade, em verdadeiro “dinamismo”.[3]

Neste “equacionamento social”, múltiplas são as possibilidades de decisão e de fundamentação ao alcance do Poder Judiciário, dada a riqueza de fontes normativas e de suas significações, devendo ser eleita, na solução de casos concretos, a que melhor se moldar aos objetivos almejados pela Constituição.

Partindo de tais premissas, propõe-se no presente estudo analisar de modo crítico o conteúdo da Súmula nº 445 do Tribunal Superior do Trabalho, aqui tratado como TST, pela qual foi consolidando o entendimento de ser inaplicável ao Direito do Trabalho a regra do art. 1.216 do Código Civil, lançando-se mão, para tanto, de textos doutrinários e normativos, além de precedentes jurisprudenciais.

Em um primeiro tópico, serão examinadas as fontes do Direito do Trabalho, em especial, a jurisprudência e, em um segundo, a Súmula nº 445 do TST, especificamente, fornecendo-se, então, subsídios à instauração do debate a respeito do tema.

2. Fontes do Direito do Trabalho.

O vocábulo fonte tem origem no latim “fons”, correspondendo, segundo Carmen Camino, à “origem, causa, princípio ou gênese” de algo,[4]ou ainda, para Tarso Genro, a “história mesma, as relações objetivas e subjetivas que os homens travam entre si e com a sociedade no curso do processo histórico”.[5]

Distinguem-se as fontes materiais (reais ou primárias) das formais (secundárias). Aquelas resultam dos conflitos sociais entre capital e trabalho, exteriorizados pela “pressão reivindicatória exercida pelos trabalhadores”, de acordo com Carmen Camino,[6] em espécie de “húmus social”, na definição de Evaristo de Moraes Filho,[7] enquanto que estas representam a ação legislativa de organismos internacionais, do Estado ou dos próprios envolvidos no conflito.

Além do critério atinente à natureza da fonte (formal x material), vários outros são destacados pela doutrina, considerando enfoques diversos, tais como quanto ao poder do qual emanam (supranacionais x nacionais), à abrangência (comuns x específicas), à hierarquia (normas originárias x derivadas) e à função (principais x subsidiárias ou integradoras).

A Constituição da República, em seu art. 7º, caput, embora não empregue o termo fonte, ao reconhecer alguns direitos aos “trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, consagra o Princípio do Não-Retrocesso Social[8] e evidencia a opção por uma aceitação ampla quanto à origem de tais direitos.

Ratificando tal entendimento, dispõem os §§2o e 3º do art. 5º, também da Lei Maior, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, alcançando, inclusive, em matéria de Direitos Humanos, status de Emenda Constitucional, bastando a aprovação “em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros”.

Aliás, remonta às origens do Direito do Trabalho a vocação criadora dos Julgadores, sendo parte das normas hoje positivadas fruto da atuação pretoriana em época na qual as Juntas de Conciliação e Julgamento integravam o Poder Executivo, conforme pesquisas feitas por Magda Barros Biavaschi:

“Graças às entrevistas realizadas com o ministro Arnaldo Süssekind, então único integrante vivo da comissão que elaborou a CLT, conheci as teses aprovadas no 1º Congresso de Direito Social, organizado em 1941, em São Paulo, pelo professor Cesarino Júnior, responsável pela cadeira de Direito Social na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Muitas delas foram utilizadas pela comissão redatora da CLT como fonte material imprescindível.

(...)

Nos processos estudados, que compõem o acervo do Memorial/RS (Memorial da Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, cuja comissão coordenadora ela integra desde 2004), os casos concretos, os conflitos do trabalho, os pareceres, as regras positivadas, as decisões, a doutrina, formavam um complexo que interagia, produzindo soluções e impulsionando a criação de novas regras, em um tempo carente de um Código do Trabalho. Tudo aos olhares atentos do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.”[9]

Já o art. 8º da CLT, ao traçar diretrizes sobre o tema, de forma clara, embora não prime pela melhor técnica,[10]...

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