Algumas reflexões sobre a necessária efetividade do processo do trabalho

AutorAlmeida,Krost,Severo

Algumas reflexões sobre a necessária efetividade do processo do trabalho no Século XXI

Almiro Eduardo de Almeida[1]

Oscar Krost[2]

Valdete Souto Severo[3]

SUMÁRIO

  1. Introdução. 2

  2. O Juiz do Século : os três modelos de juiz de Fraçois Ost. 4

  3. A função do Processo do Trabalho. Críticas e Sugestões. 10

  4. Conclusão. 12

  5. Referências. 12

    RESUMO

    Partindo do texto de Fraçois Ost sobre modelos de juiz, este artigo propõe uma reflexão crítica acerca da atuação dos intérpretes aplicadores do Direito do Trabalho na contemporaneidade. A análise teórica da função do processo culmina na sugestão de práticas capazes de atribuir maior efetividade aos direitos trabalhistas.

    PALAVRAS-CHAVE: processo do trabalho - hermenêutica - efetividade

  6. Introdução A humanidade vivencia um raro momento em sua história, marcado por profundas rupturas conceituais e estruturais, afetando os mais diversos campos do saber, caracterizado, segundo palavras de Zygmunt Bauman pela "passagem da fase ‘sólida’ da modernidade para a ‘líquida",[4] ou seja, para um tempo em que as organizações sociais não conseguem manter sua estrutura formal, se "dissolvendo" rapidamente.

    Ratificando tal entendimento, sustenta Boaventura de Sousa Santos que "a identificação dos limites, das insuficiências estruturais do paradigma científico moderno, é o resultado do grande avanço no conhecimento que ele propiciou", concluindo que "o aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se funda".[5] Com o Direito, instância reguladora da vida em sociedade, o panorama não poderia ser distinto. Os autos processuais, até então físicos, dão lugar aos virtuais. O papel cede "espaço" aos bits. Mais do que as mudanças em si, tem-se na velocidade com que se sucedem o vetor de maior gravidade, pois a cultura possui um razoável período de elaboração e amadurecimento, raras vezes respeitado pela tecnologia.

    Partindo de tais considerações, busca-se no presente ensaio, a partir do texto Júpiter, Hércules, Hermes: Tres modelos de juez, de Fraçois Ost, analisar de modo crítico três estereótipos da atuação do Julgador no exercício da jurisdição, formulando sugestões de práticas que emprestem maior efetividade ao Processo do Trabalho, por meio da valorização de uma postura hermenêutica proativa e finalística do Juiz.

    Para tanto, defende-se um novo olhar sobre o Processo do Trabalho, a partir de uma perspectiva que privilegie sua função na resolução de conflitos, bastando para isso o uso do instrumental já disponível nos textos de doutrina e de lei, bem como em precedentes jurisprudenciais.

    O momento é ideal para a reflexão. O processo eletrônico, que invade de forma definitiva a realidade da Justiça do Trabalho, não se limita a substituir o meio de acesso ao Judiciário. Faz bem mais do que isso. Propicia uma importante mudança em nosso olhar para o processo. É certo que esse olhar poder-se-ia modificar sem que o meio fosse alterado.

    Ocorre que mudanças tais como a integral alteração na forma de propor e movimentar demandas nos obriga a refletir. O ambiente é propício, portanto, para que retomemos a função do Judiciário e do Juiz Trabalhista. A celeridade e a concentração com que nos prestigia a CLT podem ser resgatadas com facilidade, se bem utilizarmos o instrumento posto a nossa disposição. Esse estímulo à reflexão talvez seja a maior contribuição do processo eletrônico aos intérpretes do Direito do Trabalho.

    O Juiz do Trabalho terá a possibilidade de retomar o rito eficaz previsto na CLT, privilegiando a audiência única, com a produção integral da prova em uma só oportunidade. Poderá examinar cada petição inicial protocolada, sanando equívocos com uma agilidade que a necessidade de autuação e remessa para a Vara certamente não lhe concediam. As vantagens se estendem às partes, especialmente se conseguirmos reduzir o número de audiências realizadas em cada feito e agilizar o resultado prático do processo. Além disso, o processo eletrônico permite que a parte tenha acesso imediato a sua causa, acompanhando-a diretamente, da sua própria casa.

    Por fim, é importante ressaltar que o processo eletrônico viabiliza e estimula que retomemos o debate acerca do exercício de acesso à Justiça. Demandas com pedidos de "a" a "z" precisarão urgentemente ser repensadas. Advogados, partes e Juízes deverão perceber que a agilidade na prestação jurisdicional passa por iniciais curtas, com pedidos certos e preferencialmente líquidos.

    Ovídio Baptista já em 2004 escrevia sobre a necessidade de retomarmos a cultura de demandas parciais, requerendo, por exemplo, pretensões urgentes, em ação diversa daquela em que discutimos matérias que dependem de provas especiais, como perícias.[6] A ação monitória, negligenciada na Justiça do Trabalho, poderá ter sua função redescoberta. O manuseio dessa espécie de demanda permitiria a imediata cobrança de verbas que decorrem da extinção do vínculo e constam no TRCT, mas não foram pagas.

    É certo que a alteração da tecnologia para o acesso ao Judiciário não altera necessariamente as regras processuais. Bem por isso compreendemos tratar-se de uma "redescoberta" do processo, pelo uso de um meio mais adequado e que deve servir para alterarmos práticas retrógradas e descomprometidas com a função social que o inspira.

  7. O Juiz do Século : os três modelos de juiz de Fraçois Ost.

    Por volta de 1993, influenciado por relevantes acontecimentos históricos então em curso, como as quedas do regime socialista na URSS e do muro de Berlim, bem como a disseminação em escala mundial da microinformática e da internet, Fraçois Ost[7] analisou as posturas passíveis de serem adotadas pelos Juízes em um mundo pós-moderno, partindo de alguns modelos filosóficos de compreensão do Direito e lançando mão de três modelos metafóricos de magistrado, baseados em figuras da mitologia grega.

    Referido trabalho, traduzido para diversos idiomas, ganhou na língua espanhola o título Júpiter, Hércules, Hermes: Tres modelos de juez, versão utilizada no presente estudo e publicada no periódico Doxa - Cadernos de Filosofia do Direito da Universidade de Alicante.[8]

    O primeiro modelo apresentado pelo autor é representado por Júpiter e atuaria em um arquétipo clássico de Direito, sob a forma piramidal, em cujo ápice estaria a "codificação". Neste modelo, o Juiz não passaria de uma espécie de "boca da lei" e deveria se limitar a atender à intenção do Legislador, atuando de modo formalista.

    O Estado Liberal seria o cenário de tal agir, conduzindo a quatro corolários diretos: o monismo jurídico (pelo apego à lei como precípua, senão única fonte jurídica, sistematizada em codificações), o monismo político (representado pela soberania estatal, símbolo da vontade nacional em substituição às instituições do Antigo Regime), a racionalidade dedutiva e linear (as soluções particulares seriam deduzidas de regras gerais, derivadas de Princípios ainda mais gerais, seguindo referências lineares e hierarquizadas) e a concepção de tempo orientada rumo a um futuro controlado (sustentado pela crença moderna do progresso da história e na ideia de que a lei, antecipando um estado possível das coisas, pode levar a um porvir melhor).[9]

    O valor central defendido pelo Magistrado Júpiter recai sobre a segurança jurídica, considerada em sua concepção de previsibilidade das decisões judiciais.

    O segundo modelo proposto encontra imagem em Hércules, herói grego, filho dos deuses Zeus e Hera, tendo por principal característica uma força descomunal. Responde por tarefas superiores às do Juiz Júpiter, pois além de utilizar as codificações se envolve em questões "metajurídicas" da comunidade em que atua. Para tanto, aconselha, orienta e previne, acompanhando, inclusive, as repercussões geradas por suas decisões, controlando a aplicação das penas.[10]

    Para Ost, "el juez jupiteriano era um hombre de ley; respecto a él, Hércules se desdobla em ingeniero social".[11]

    Não estando restrito a apenas aplicar a lei, Hércules tece juízos sobre a constitucionalidade desta em sede difusa, levando à relativização do mito sobre a supremacia do Legislador sobre o Julgador.

    O Direito deixaria, partindo deste enfoque, de ser um dever-ser como mero conjunto de regras, passando a ser examinado e operado como um fenômeno fático complexo, também integrado pelos comportamentos das autoridades judiciais.

    A estrutura piramidal acaba invertida, passando a se equilibrar no até então vértice, podendo ser substituída, ainda, por uma espécie de funil ou cone, em verdadeiro "paradigma de revolución copernicana".[12]

    O pensamento jurídico tradicional de que as regras ocupam o centro do ordenamento, dando origem a deduções mecânicas para os julgamentos judiciais, cede espaço à ideia de que estas decisões são, na realidade, a essência do próprio sistema. A superação de um arquétipo por outro, por conta da transição do Estado Liberal para o Social não produziu a almejada concretização da Justiça. Permitiu, porém, pensar o Direito como uma circulação incessante de sentido, mais do que como discurso sobre a verdade, abrindo espeço ao pluralismo e à diversidade dos atores jurídicos responsáveis pelas decisões.

    Na elaboração de uma teoria mais avançada para explicar o funcionamento e o papel do Direito, compreendido como circulação do sentido e marcado pelo entrelaçamento de força e Justiça, argumenta Ost:

    "Al monismo habría que oponer, no la dispersión, sino el pluralismo; el absolutismo binario (permiso/prohibición, válido/no-válido) habría que sustituirlo por el relativismo y el gradualismo, que no se transmuta por tanto en escepticismo; a la linealidad jerárquica habría que oponer no la circularidad viciosa, sino la recursividad fecunda; la clausura y el determinismo del discurso habría que sustituirlos por la inventiva controlada de un discurso jurídico radicalmente hermenéutico."[13]

    Para tanto, abandona-se o arquétipo piramidal do ordenamento, em seus dois sentidos, substituindo-o por um ideal sob formato de rede, aberto e sem vértices...

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