A supremacia do advogado em face do jus postulandi

AutorMario Antonio Lobato de Paiva
CargoAbogado - Miembro de la Unión International de Abogados con sede en París, Francia - Integrante de la Red Mexicana de Investigadores del Mercado Laboral

Será só imaginação?

Será que nada vai acontecer?

Será que é tudo isso em vão?

Será que vamos conseguir vencer?

(Será, Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá)

Já nas primeiras páginas da Bíblia, no Velho Testamento, encontramos esta lição admirável de que no primeiro julgamento que se realizou na Terra, ao réu foi garantido o direito de defesa: Deus não condenou Adão sem ouvi-lo. Pois que a defesa não é um privilégio. Tampouco uma conquista da humanidade. É um verdadeiro direito originário, contemporâneo do homem, e por isso inalienável.

A Bíblia, em seu Novo Testamento afirma que Cristo é o nosso único advogado entre Deus e os homens (1ª Carta de Timóteo, cap. 2). E, ainda, Jesus, quando se despediu, prometeu e cumpriu mandar em seu lugar o Advogado (Espírito Santo).

Desde o legislador Solon, na Grécia Antiga, cuidava-se da profissão do advogado e, esta, por ser muito nobre, se avantaja às outras pela sua independência. Entre os Romanos, eram, ordinariamente, os advogados que proviam os mais nobres empregos do Império. Em Athenas, eles dispunham de negócios públicos, e não se executavam senão o que a eles parecia justo. Na França, tiveram voto deliberativo, no Parlamento, sobre os novos regulamentos que se formavam, e das mais ilustres famílias togadas derivam a glória de sua origem da Ordem dos Advogados.

Em Athenas, com a persistência do argumento de que todo direito ofendido deve encontrar defensor e meios de defesa, nomeavam-se 10 advogados por ano para prestar assistência judiciária aos menos favorecidos. Os Gregos foram os criadores de uma forma instrumentalizada de garantir o acesso, aos Tribunais, aos pobres, preocupando-se com uma metodologia mais ampla: a da noção de justiça, surgindo, assim, a isonomia, que significa igual participação de todos os cidadãos, no exercício do poder, que aliada a teoria jusnaturalista, esta na raiz do que, mais tarde, comporia os hoje chamados direitos humanos.

O pensamento grego influenciou decisivamente o modelo social e cultural de Roma, inclusive a estrutura do seu direito. Para evidenciá-lo, basta assinalarse a freqüência com que textos gregos são invocados, a título de autoridade. A noção de patrocínio em juízo passa-se para a jurisprudência romana, onde Ulpiano conceitua com precisão o direito de postular:

"Postulare autem est, desiderium suum vel amici sui, in jure apud eum, qui jurisdictione praeest, exponere".

Revelando a percepção da necessidade da função social do advogado e carreando a compreensão da indispensabilidade deste para o equilíbrio das partes no litígio:

"Ait praetor: Sin non habebunt advocatum, ego dabo".

Sobretudo se manifesta a desigualdade de forças:

"Sed si qui per potentiam adversarii non invenire se advocatum dicat, aeque oportebit ei advocatum dare".

Não há que se duvidar de que essas noções determinaram a iniciativa de Constantino, de elaborar uma lei que consolidasse o patrocínio gratuito aos necessitados, posteriormente inserido, também, no Código de Justiniano, continente de extenso tratamento da atividade advocatícia, de sua prerrogativas e de seu interesses.

Podemos constatar a presença do advogado, até mesmo nas mais cruéis páginas da história do mundo. Rodeada de uma auréola de fanatismo e intransigência, a Inquisição ou Santo Ofício, espécie de Tribunal eclesiástico, vigente na Idade Média e começo da modernidade, que julgava os hereges e as pessoa suspeitas de se desviarem da ortodoxia católica. Seu procedimento era o seguinte: tribunal acolhia as denúncias de quem quer que fosse, mesmo feitas por carta anônima. Depois de preso, o réu era submetido a longos interrogatórios, não lhe sendo comunicado o motivo da prisão, nem o crime de que o acusavam ou o nome do denunciante. O advogado de defesa era nomeado pelo Santo Ofício. O inquisitor fazia pública a sentença, em geral no chamado auto-de-fé. Os réus acusados de crimes mais graves, ou que se recusassem a abjurar os próprios erros, ou reincidissem depois de alguma condenação, eram entreguem ao braço secular para a execução da pena capital, em geral na fogueira. Porém, por mais que pena tenha sido injusta e cruel foi concedido ao réu um advogado e sua respectiva defesa.

Assim podemos notar como observa o advogado carioca José Ângelo Rangel dos Santos que: "Depois de inventar a roda e se valer de uma haste, não flexível, como alavanca, o homem descobriu que poderia facilitar a vida utilizando-se de ferramentas no dia a dia, tal fato se constata até os dias de hoje, pois o melhor profissional, em todas as áreas, do gari ao cirurgião plástico, não seria bem sucedido sem suas ferramentas de trabalho, pois, o advogado é a ferramenta da justiça a serviço do cidadão".

No Brasil, com o advento das Ordenações Afonsinas, bem como nas Manuelinas, foram previstas a atividade advocatícia, somente aos que tivessem cursado Direito Civil ou Canônico, durante o período de oito anos, na Universidade de Coimbra, sujeitando os infratores a penas severas, se não observadas tais regras e, por último, previstas, também, pelas Ordenações Filipinas.

A advocacia não é apenas uma profissão, é também um munus, é um dos elementos da administração democrática da Justiça. Dupin Ainé, jurisconsulto e magistrado francês apreciando uma obra sobre o exercício da advocacia, escreveu: "humanidade, literatura, história, direito, prática, não há matéria ou ciência que o Advogado possa ignorar". Por isso, sempre mereceu ódio e a ameaça dos poderosos. Frederico, O Grande, que sempre chamava os advogados de sanguessugas e venenosos répteis, prometia enforcar, sem piedade, nem contemplação de qualquer espécie, aquele que viesse pedir graça ou indulto para um soldado, enquanto Napoleão ameaçava cortar a língua de todo o advogado que a utilizasse contra o governo. Bem sabem os ditadores, reais ou potenciais, que os advogados, como disse Calamandrei, são "as antenas supersensíveis da justiça". E estas estão sempre do lado contrário de onde se situa o autoritarismo.

Dura realidade, na qual ou são agredidos pelos que pretendem subverter a ordem que eles ainda insurgem. De todas as formas, ou são o alicerce ou são o levedo. E em ambas as hipóteses pagam uma contribuição histórica ao sarcasmo de todas as épocas, origens e direções. O próprio Cristo, considerando os advogados instrumentos do Império Romano, advertia-os:

"Ai de vós, doutores da lei, que carregais os homens de obrigações que eles não podem desempenhar" (S. Lucas, 11:46)

Enquanto Lutero, quinze séculos depois, temendo-os como aliados da Igreja, acusava-os de fazerem o direito decorrer da iniquidade. Para um dos personagens de Shakespeare: - "A primeira coisa que devemos fazer é matar os advogados" (Henrique VI, Ato IV, Cena II). Outro deles Hamlet, no famoso diálogo com Horácio, perante o crânio anônimo que lhe despertava divagações sobre a contingência das vaidades, perguntava:

"Não será porventura a caveira de um advogado? Onde estão agora as suas cavilações, os seus sofismas, o seu casuísmo, as suas usurpações e as suas trapaças?" (Ato V. Cena I)

E até a opinião do povo não era melhor que a dos letrados. Há um provérbio dinamarquês, segundo o qual: - "A virtude está no meio, disse o Diabo, sentando-se entre dois advogados". E segundo, este francês: - "Deus nos livre do etecetera de algum advogado".

Mas, pouco a pouco, no decorrer da história modificou-se essa idiossincrasia pelos causídicos. No Brasil verifica-se que o advogado não adquiriu o status de indispensável à administração da Justiça, e apenas, tão somente, após a promulgação da Carta Magna de 1988. Sua participação tornou-se essencial, a partir do momento em que houve os reclamos das partes, em extrair as pretensões asseguradas pelo ordenamento jurídico, incumbindo a ele (advogado) a escolha das vias judiciais apropriadas, colaborando, assim, sobremaneira, com o aprimoramento das instituições.

Porém, com a previsão em nossa Carta Magna, do artigo 133, asseverando a essencialidade do advogado para a administração da justiça, trouxe-se à baila um velho e antigo conflito, tendo como opositor o chamado jus postulandi que nada mais é do que a capacidade postulatória de empregados e empregadores na esfera da Justiça do Trabalho, assegurada pelo artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho, para ajuizarem pessoalmente suas reclamações e permanecendo sem a representação de procurador judicial investido, por mandato, durante todo o decorrer do litígio.

José Afonso da Silva, observando o artigo 133, da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, ensina que: "o princípio da essencialidade do advogado na administração da Justiça é agora mais rígido, parecendo, pois, não mais se admitir postulação judicial por leigos, mesmo em causa própria, salvo falta de advogado que o faça"1.

Pinto Ferreira asseverou que: "pela primeira vez surgiu em nossa história constitucional a figura do advogado na Lei Magna do país. Trata-se de uma homenagem àqueles que exercem uma função essencial à justiça, ao lado do juiz e do Ministério Público. O advogado exerce um munus público a que já se referia o aviso nº 326 de 19/11/1980"2.

Celso Ribeiro Bastos diz que: "embora já dispusesse de garantias desse teor, por força do Estatuto que regia a carreira àquela época (Lei Nº 4.215/63) a elevação da imunidade ao nível da própria Constituição acaba por lhe conferir uma dignidade e um peso que não podem ser desprezados"3.

Nas palavras de Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido de Rangel Dinamarco "o advogado aparece como integrante da categoria dos juristas, tendo perante a sociedade a sua função específica e participando, ao lado dos demais, do trabalho de promover a observância da ordem jurídica e o acesso dos seus clientes à ordem jurídica"4.

Na lição do Professor Sérgio Bermudes, citando o velho provérbio inglês "quem é seu próprio advogado tem por cliente um tolo", talvez se pudesse dizer, no lugar de tolo, "um apaixonado", ora demasiadamente temeroso, ora...

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