“Contrato de facção”: responsabilidade da contratante por débitos da contratada.

AutorOscar Krost

“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho.

Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho.

Quem não tem medo da fome, tem medo da comida.

Os automobilistas têm medo de caminhar e os peões têm medo de ser atropelados.

A democracia tem medo de recordar e a linguagem tem medo de dizer.

Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas.

É o tempo do medo.

Medo da mulher à violência do homem e medo do homem à mulher sem medo.”

Eduardo Galeano, “O medo global”.

1. Introdução

Ao optarem por viver em sociedade, fazem os homens uma escolha pautada nas vantagens e desvantagens daí advindas, aderindo ao chamado “contrato social”.2 Assumem de forma direta a responsabilização pelos efeitos produzidos por seus atos.

Tal observação ganha ainda maior relevância se consideradas as profundas alterações pelas quais atravessa o processo produtivo, especialmente por sua fragmentação e por seu desmembramento, pelo repasse a terceiros de atividades tidas por desvinculadas do fim do negócio, dando origem ao neologismo “terceirização”, atualmente em voga.3

Todavia, por ausência de regulação específica, bem como pelo pouco tempo de existência, alguns fenômenos acabam por ocupar uma zona “cinzenta”, carecendo de uma qualificação jurídica precisa, tarefa destinada aos operadores do Direito.

Em uma destas situações, se encontram os efeitos gerados em relação à contratante pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas pela contratada em face de seus empregados, no ajuste conhecido popularmente por “facção”. Neste, determinado sujeito repassa a terceiros a realização de dada atividade integrante da produção, efetuando a paga apenas pelas unidades encomendadas e entregues, prática comum no ramo têxtil.

Assim, propõem-se, no presente o exame da relação de emprego, da “terceirização” e da empreitada, além das respectivas hipóteses de co-responsabilização do beneficiário final do trabalho. Por derradeiro, examinar-se-ão as particularidade do “contrato de facção”, inclusive quanto aos efeitos produzidos em face da contratante pelo inadimplemento de créditos trabalhistas pela contratada. Para tanto, serão utilizados textos normativos e doutrinários, além de precedentes jurisprudenciais.

2. Relação de emprego, “terceirização” e empreitada Conceitos. Co-responsabilização

Consoante teor dos arts. 2o, caput, e §1º, 3º e 442, todos da CLT, “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”, negócio jurídico que tem por sujeitos o empregador e o empregado, assim compreendidos, respectivamente, “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” ou, por equiparação, “os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados” e “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.4

O vínculo jurídico se forma diretamente entre o tomador e o prestador de serviços, sem qualquer intermediário. De um lado, o empregador, ente despersonalizado, que responde pelo riscos do empreendimento, dotado de poder de comando. De outro, o empregado, pessoa física e credora de salários, subordinado a ordens.

Destaque-se, ainda, o elemento não-eventualidade, que caracteriza os serviços “necessários e permanentes, vinculados ao objeto da atividade econômica, independentemente do lapso de tempo em que prestado, antítese dos serviços eventuais, circunstancialmente necessários, destinados ao atendimento de emergência”, de acordo com CAMINO (2003, p. 188). Não há relevância, no aspecto, do elemento cronológico ou temporal, mas sim, da pertinência entre o trabalho e o negócio, se essencial ou de apoio.

Na hipótese de inadimplemento das obrigações trabalhistas, responde o patrimônio do empregador, podendo, ainda, ser alcançado o de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, pelo que dispõe o art. 2º, §2º, da CLT.

A partir de concepções “modernas” de gestão, tem início o repasse pelo empreendedor da atividade econômica a terceiros da realização de serviços ligados à atividade-meio, reputados acessórios, secundários ou periféricos.

Deixa o empregador “clássico” de manter relação direta com o sujeito que lhe presta labor, alijando-se do poder de comando, não mais contando com a atuação de uma pessoa específica.

De acordo com SOUTO MAIOR (2006, p. 09) “a terceirização é prática administrativa que se instalou no modelo produtivo que se convencionou chamar de ‘toyotismo’ e “representa um modo de pensar a produção”, tendo por objetivos a produção baseada no fluxo da demanda, o combate ao desperdício, a flexibilização da organização do trabalho, a instalação do kanban (sistema que indica a utilização de peça do estoque), a produção de vários modelos, em série reduzida, e o desenvolvimento de relações de subcontratação com fornecedores de autopeças.

No Brasil, o marco inicial da intermediação de mão-de-obra se deu com a edição da Lei nº 6.019/74, instituidora do regime de trabalho temporário, assim compreendido “aquele...

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