A razoaével duracao do processo e quanto direito fundamental processual

Autor1.Flávia Moreira Guimarães Pessoa - 2.Dilson Cavalcanti Batista Neto
Cargo1.Juíza do Trabalho Substituta. Professora Adjunto da Universidade Federal de Sergipe, Especialista em Direito Processual. Mestre em Direito, Estado e Cidadani. Doutora em Direito Público. Líder do grupo de pesquisa “Hermenêutica Constitucional Concretizadora dos Direitos Fundamentais e Reflexos nas Relações Sociais” da Universidade Federal de Serg
1- Introdução

O presente2 artigo visa a analisar a questão do direito à razoável duração do processo enquanto direito fundamental processual. Para tanto, o artigo apresenta uma parte inicial em que são analisados os critérios definidores do conceito e conteúdo dos Direitos Fundamentais, bem como são apontados dos Direitos Fundamentais processuais. Numa segunda parte, o artigo apresenta a exegese do art. 5º LXXVIII da Constituição Federal, bem como aplicações práticas e clarificação do conteúdo do direito à duração razoável do processo. Por fim, no tópico relativo às considerações finais, são elencados os pontos principais do texto.

2- Definição e conteúdo dos direito fundamentais

A conceituação do que sejam direitos fundamentais é particularmente difícil, tendo em vista a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico. Aumenta essa dificuldade, o fato de se empregarem várias expressões para designá-los, como “direitos naturais”, “direitos humanos”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades fundamentais” 5 etc.

A expressão direitos fundamentais, consoante assinala José Afonso da Silva (2005, p. 56) não significa esfera privada contraposta à atividade pública, mas sim “limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem”. Da definição exposta pelo autor, verifica-se sua posição no sentido de limitar a expressão ao campo de abrangência da proteção dos particulares contra o Estado.

Uma noção mais atualizada dos direitos fundamentais, porém, conduz à conclusão de que estes representam a constitucionalização dos direitos humanos que gozaram de alto grau de justificação ao longo da história e que são reconhecidos como condição para o exercício dos demais direitos. Haveria, dessa forma, “um conteúdo mínimo de direitos fundamentais que caracterizam o direito de um Estado Democrático” (SAMPAIO, 2006, p. 17).

Segundo José Afonso da Silva (2005, p. 58), os direitos fundamentais teriam os seguintes caracteres: a) historicidade; b) imprescritibilidade; c) irrenunciabilidade. São, assim, os direitos fundamentais históricos, o que rechaça qualquer fundamentação no direito natural. São imprescritíveis dada a sua natureza de direitos personalíssimos de natureza em geral não patrimonial; são, por fim, irrenunciáveis, embora possam deixar de ser exercidos.

Quanto ao conteúdo dos direitos fundamentais, esse foi sendo paulatinamente alterado, a partir da verificação do seu caráter histórico. Com efeito, consoante assinala Canotilho (1989, p. 425), os direitos fundamentais “pressupõem concepções de Estado e de Constituição decisivamente operantes na atividade interpretativo-concretizadora das normas constitucionais”.

Inicialmente, no constitucionalismo liberal, os direitos fundamentais eram considerados os direitos de liberdade do indivíduo contra o Estado, constituindo-se essencialmente nos direitos de autonomia e defesa. Os postulados desta teoria liberal vêm bem expostos por Canotilho (1989, p. 426) que aponta os seguintes: 1) os direitos fundamentais são direitos do particular contra o estado; 2) revestem concomitantemente o caráter de normas de distribuição de competências entre o indivíduo e o Estado; 3) apresentam-se como pré-estaduais, sendo vedada qualquer ingerência do Estado; 4) a substância e o conteúdo dos direitos fundamentais, bem como sua utilização e fundamentação, ficariam fora da competência regulamentar do Estado; 5) a finalidade e o objetivo dos direitos fundamentais é de natureza puramente individual.

A teoria da ordem dos valores, associada à doutrina de Smend e à filosofia de valores, definia os direitos fundamentais como valores de caráter objetivo, o que levava a conseqüências indicadas por Canotilho (1989, p. 427): 1) o indivíduo deixa de ser a medida dos direitos, pois os direitos fundamentais são objetivos; 2) no conteúdo essencial dos direitos fundamentais está compreendida a tutela de bens de valor jurídico igual ou mais alto.; 3) através da ordem de valores dos direitos fundamentais respeita-se a totalidade do sistema de valores do direito constitucional; 4) os direitos fundamentais só podem ser realizados no quadro dos valores aceitos por determinada comunidade; 5) a dependência do quadro de valores leva à relativização dos direitos fundamentais; 6) além da relativização, a transmutação dos direitos fundamentais em realização de valores justifica intervenções concretizadoras dos entes públicos, de forma a obter eficácia ótima dos direitos fundamentais.

A teoria institucional dos direitos fundamentais, capitaneada por Peter Haberle parte da afirmação de que os direitos fundamentais não se esgotam em sua vertente individual, mas possuem um caráter duplo, ou seja, individual e institucional. Cabe, desse modo, à teoria, “o mérito de ter salientado a dimensão objetiva institucional dos direitos fundamentais” (CANOTILHO, 1989, p. 428) embora se esqueça de outras dimensões dos direitos fundamentais, como a esfera social.

A teoria social dos direitos fundamentais parte da tripla dimensão destes direitos: individual; institucional e processual. Essa dimensão processual “impõe ao Estado não só a realização dos direitos sociais, mas permite ao cidadão participar da efetivação das prestações necessárias ao seu livre desenvolvimento” (SAMPAIO, 2006, p. 30).

A teoria democrática funcional defende que os direitos são concedidos aos cidadãos para serem exercidos como membros da comunidade e no interesse público. Por outro lado, consoante ressalta Canotilho (1989, p. 429) “a liberdade não é a liberdade pura e simples, mas a liberdade como meio de prossecução e segurança do processo democrático, pelo que se torna patente o seu caráter funcional”. A teoria parte assim da idéia de um cidadão ativo, com direitos fundamentais colocados a serviço do princípio democrático.

3 - Direitos fundamentais processuais

Importa destacar, neste tópico, a existência de direitos fundamentais processuais, tema bem desenvolvido por Julio Guilherme Muller (2004), que aponta como direitos fundamentais principais aqueles expressos no art. 5º, caput6, e seus incisos XXXV7, LIII8, LIV9, LV10, LVI11 e LX12, ou seja, os princípios da igualdade, do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, publicidade dos atos processuais, inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, inafastabilidade da jurisdição e juiz natural (MULLER, 2004, p. 66). Ao lado dos direitos fundamentais processuais principais, Muller (2004, p. 67) também aponta os direitos fundamentais materiais adstritos, como a exigência de motivação das decisões, consagrada no art. 93 IX13 da Constituição Federal.

Em classificação um pouco diversa, Fredie Didier Júnior (2006, p. 33-74) aponta os seguintes: a) direito fundamental a um processo devido (devido processo legal); b) direito fundamental à efetividade (à tutela executiva); c) direito fundamental a um processo sem dilações indevidas; d) direito fundamental à igualdade; e) direito fundamental à participação em contraditório; f) direito fundamental à ampla defesa; g) direito fundamental à publicidade.

Ao lado dos direitos fundamentais processuais, assinalem-se, ainda, as garantias processuais que, embora consagradas na Constituição Federal, não se constituem em direito fundamental. Entre elas, podem-se explicitar a previsão de vários órgãos do judiciário, com atribuições e competências fixadas, a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos dos magistrados e membros do ministério público (MULLER, 2004, p. 67).

Verificados os Direitos Fundamentais Processuais, percebe-se que o direito à razoável duração do processo é caracterizado como tal, razão pela qual, no item que se segue, procede-se à análise do art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal.

4 – O direito fundamental à razoável duração do processo: uma exegese do art 5º lxxviii da constituição federal

Quando a Razoável Duração do Processo foi inserida na Carta Magna pela Emenda 45/04, alguns doutrinadores entenderam ser imprópria a positivação de tal princípio por entenderem que se tratava de preceito desnecessário em Texto constitucional, porque os princípios existentes à época já seriam suficientes para o exercício dos direitos e garantias individuais e coletivos. (ROCHA, 2005).

Porém, antes de discutir a necessidade ou não de positivação de tal princípio, cumpre-nos afirmar que o direito à duração razoável do processo já estava em vigor em antes de 2004, pois o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, que é claro quanto ao devido processo legal em seu art. 8º.14 Esta garantia entrou no ordenamento nacional através da cláusula do §2º, do art. 5º da CF, e, como colorário direto do devido processo legal, tinha aplicabilidade imediata por força do §1º do art. 5º da Carta Magna. (DIDIER, 2007). A Emenda 45/2004 apenas conferiu maior visibilidade à sua existência com o escopo de garantir efetividade. (NICOLITT, 2006).

Tal visibilidade é necessária, justificando a inclusão da Razoável Duração do Processo no rol dos direitos e garantias fundamentais da Carta Magna, pois se trata do ápice de um processo de transformações que se iniciam com alterações no direito processual...

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