Processo e Verdade

AutorPaulo JB Leal

(Investigações acerca de processo e verdade na nova
forma de exercício da atividade jurisdicional)
* Paulo JB Leal
"Não se pode duvidar que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de conhecer, se não fosse pelos objetos que, exercitando nossos sentidos de uma parte, produzem por si mesmos representações, e, de outra, impelem nossa inteligência a compará-las entre si, ligá-las ou separá-las, e desta sorte compor a matéria informe das impressões sensíveis para formar esse conhecimento das coisas que se chama experiência." (Immanuel Kant - Crítica da razão pura)
1. Esclarecimento necessário
O presente estudo tem dois objetivos distintos. O primeiro é contribuir com o debate que precisa ser feito neste momento de transformações pelos quais passa o judiciário brasileiro, com a virtualização da atividade judicial. Embora se reconheça a validade da iniciativa que busca trazer os ganhos da tecnologia para a administração da justiça, são muitas as questões que precisam ser examinadas para o êxito do empreendimento, especialmente os elementos constitutivos das ideias de verdade e de justiça, que legitimam a atividade dos juízes perante a sociedade.
O segundo objetivo é buscar, mais uma vez, convencer os professores da UNISINOS a permitir levar adiante este estudo na academia. Embora divergindo dos padrões atuais das reflexões acadêmicas, sem dúvida, elas apresentam algo novo para uma instituição, reconhecidamente em crise.
Os temas são complexos e o estudo precisa ainda examinar as relações lógicas que medeiam o mundo natural no sistema de ideias que são relacionadas no processo eletrônico, mas, com certeza, dá início a um trabalho que tem condições de avançar em questões efetivamente importantes para a teoria do conhecimento e sociedade humana[1].
Espera-se ser possível levar adiante a presente proposta. Oxalá dê certo a tentativa de estudo (e o apelo).
2. Considerações preliminares
As transformações que estão ocorrendo no judiciário brasileiro, ao serem implantados sistemas de virtualização de processos, precisam ser compreendidas e estudadas para que seja possível dimensionar o impacto dessa nova tecnologia no trabalho dos juízes e na administração da justiça.
Nem toda mudança significa avanço. A história é pródiga em exemplos em que, a pretexto de aperfeiçoar instituições humanas, promoveram-se retrocessos. Essa é a razão pela qual o estudo examina os elementos constitutivos da racionalidade utilizada no processo, para verificar se a virtualização do instrumento de ação do juiz melhora ou dificulta sua atividade.
Em se tratando de uma instituição construída à custa de muito esforço no desenvolvimento dos meios utilizados pelo processo civilizatório, qualquer mudança deve ser precedida de muita discussão e de cautela.
O primeiro objetivo deste debate, então, é dimensionar até onde é possível admitir um mecanismo como esse, sem colocar em risco o sistema ideológico que legitima a função judicial.
3. Homem e ciência
Para examinar o que se deve tomar por ciência, na constituição da racionalidade humana, é preciso separar ciência das sensações[2]; ciência de ideias das sensações e ciência de ideias das ideias. Cada uma dessas dimensões trata dos diferentes modos utilizados pela inteligência para organizar o mundo que institui a razão humana.
A ciência das sensações[3] é de natureza individual e compõe as noções que estão relacionadas à matéria-prima de todas as verdades humanas; a ciência de ideias das sensações é de âmbito coletivo e o componente formal sobre a qual são desenvolvidas as crenças do homem e; a ciência de ideias das ideias[4] é universal e constitui o sistema que o homem desenvolve ao formar a base de ordenamento que as sensações utilizam ao relacionarem-se entre si.
Tomando-se em consideração tudo isso, facilmente percebe-se que as verdades são individuais, as crenças são coletivas e as certezas universais. As verdades fornecem matéria e, as crenças e certezas, forma, à ciência. Enquanto uma relaciona sensações, as outras relacionam ideias. Aquela produzindo síntese de sensações[5], estas síntese de sínteses.
A ciência das sensações é a ciência das verdades e do conhecimento humano; a ciência das ideias é a ciência das certezas e das crenças do homem. Somente identificando esses contextos é que se pode distinguir como se apresenta para a inteligência humana as ideias de universo, de mundo e de homem. E, ainda assim, não para explicar as relações de causa e consequência da existência, mas de como se relacionam todos os elementos que precisam ser considerados para ordenar um complexo sistema que se apresenta racionalmente para a inteligência apenas enquanto processo que produz representações da natureza fenomênica[6], na capacidade humana de ter sensações.
Essas breves considerações são relevantes para demonstrar que todos os estudos que tenham por objetivo investigar instituições humanas como certeza, verdade e crença precisam separar conhecimento e ideia, pois, enquanto o primeiro tem origem nas sensações (ou experiências), o segundo é constituído por um fenômeno relacional, parcialmente autônomo e de natureza transcendental[7].
4. Organismo e ação
Todos os organismos procedem na natureza por meio de ações diretas ou indiretas. A ação direta, que pode ser separada em involuntária, voluntária e mista, é a produzida no âmbito do próprio organismo. A ação direta involuntária pode ser classificada em...

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