A Suprema Corte Norte-Americana e a liberdade religiosa

AutorManoel Jorge e Silva Neto
CargoProfessor de Direito Constitucional nos Cursos de Graduação e Pós-graduação (Mestrado e Doutorado) da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
1. Introdução

Em primeiro lugar, desejo registrar que o presente artigo é resultado das aulas que ministrei na Universidade da Flórida durante o período do Enrichment Course em setembro e outubro de 2007. A Universidade da Flórida, por intermédio do Professor-Doutor WINSTON PERCIVAL NAGAN, um dos mais destacados defensores dos Direitos Humanos nos Estados Unidos, é instituição de educação superior daquele País que tem promovido estreitamento de laços com a Universidade Federal da Bahia a partir da atuação dinâmica do Professor-Doutor SAULO CASALI BAHIA, Professor de Direito Constitucional e ex-Coordenador do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, a quem devem ser destinados todos os méritos pela realização do intercâmbio.

Quanto ao tema propriamente dito, um fato é objeto de registro quando alguém se põe a examinar a liberdade religiosa no Brasil ou em qualquer lugar do mundo: trata-se de direito ainda carente de consolidação.

Logo, quando se tornou mundialmente conhecida a genial formulação teórica de Norberto Bobbio, segundo a qual o grande problema dos direitos fundamentais, hoje, não é tanto o de justificá-los mais sim os de protegê-los, como afirmado em seu “Era dos Direitos”, o que parece incontestável em termos de efetivação do direito fundamental à liberdade religiosa é exatamente o contrário, ou seja: a liberdade religiosa encontra-se carente de consolidação.

E basta visualizar o que acontece com esse direito fundamental aqui no Brasil e em tantos outros países, visto que são consagrados pelo Estado “laico” inúmeros feriados religiosos, além de os órgãos estatais que mais vêem a ostentar perante o público a figura de Estado invariavelmente simbolizam a opção da sociedade política por determinado segmento religioso, tal como acontece, por exemplo, com a sala de sessões do nosso Supremo Tribunal Federal, do Senado, da Câmara dos Deputados, todas, indistintamente, guardando sólida e arraigada demonstração de fé religiosa quando põem sob a cabeça dos seus presidentes o crucifixo representativo da fé católica.

Se é verdade que o Estado brasileiro deve muito à Igreja Católica, quer porque o povoamento do território brasileiro se deu, de modo significativo, em razão do trabalho extraordinário desenvolvido pelos Jesuístas, quer em virtude de a estabilidade do Segundo Império ter contado com o apoio de setores estratégicos da Igreja Católica, que proporcionaram a integridade do território nacional e consolidaram a língua portuguesa no Brasil, quer porque nem mesmo a sobrevivência da monarquia não contou com o beneplácito das lideranças religiosas brasileiras no instante crucial da Proclamação da República, como bem relatado por Sérgio Buarque de Hollanda em seu “Raízes do Brasil”, nada disso, rigorosamente nada disso justificaria a condução para o plano meramente formal a opção consumada pelo constituinte originário em termos de afastamento do nosso Estado da fé católica.

E o mais surpreendente de tudo é ver que lá fora as mesmas questões estão sendo discutidas e revelam precisamente que a liberdade religiosa é direito fundamental em construção.

Alguns tribunais constitucionais, no entanto, têm produzido decisões que deixam evidente que as discussões em torno à liberdade religiosa se convertem em tema extremamente controvertido, devendo merecer a atenção da sociedade de uma forma geral e dos tribunais de modo particular.

Refiro-me, no caso, às decisões que vêm sendo prolatadas pela Suprema Corte norte-americana em torno à redação da Emenda nº 1 à Constituição de Filadélfia de 1787, cujos pronunciamentos têm demonstrado a sensibilidade daqueles julgadores em tema tão relevante para sociedade norte-americana e também para a coletividade brasileira.

E aqui pouco importa esteja em via de analisar decisão adotada por tribunal em sistema de Commom Law, porquanto o ordenamento jurídico brasileiro já não pode ser classificado como exclusivamente de base românico-germânica, ou apenas de Civil Law, desde que, por exemplo, foi inserido na Constituição de 1988 o efeito vinculante nas decisões prolatadas pelo nosso Supremo Tribunal Federal em sede de fiscalização abstrata da constitucionalidade, inicialmente como decorrência do julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade (§ 2º do art. 102 da Constituição Federal), posteriormente como resultado também da decisão na ação direta de...

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