Brasil.Horas suplementarias en el trabajo rural por producción,

AutorFrancisco Giordani

À partida, tendo em vista o tema de que ora se trata, interessante o evocar a seguinte passagem de Ronald Amorim e Souza, verbis: “A conquista da limitação para a jornada de labor foi uma das mais belas páginas da conquista trabalhista" 01.

Daí bem se vê a importância da limitação da jornada de trabalho e os cuidados especiais que com a mesma se há de ter; vale referir, uma outra vez, Ronald Amorim e Souza, que observa: “A prática das relações trabalhistas, entretanto, conduziu a uma situação paradoxal. De tão frequente a utilização da sobre-jornada, criou-se a imagem absurda da hora extra habitual! Se algo é habitual é exatamente porque se tem como corriqueiro, usual, frequente e, obviamente, não pode ser extra.

Nada pode ser, a um só tempo, extra e ordinário!” 02.

O entendimento majoritário, ao menos na jurisprudência, é no sentido de que, quando o empregado trabalha e é pago por produção, a hora extraordinária encontra-se remunerada com o que recebe a mais, restando, apenas, o pagamento do adicional e reflexos, valendo observar que o empregado remunerado por produção não está excluído da limitação da jornada de trabalho ordinária, contida na Constituição Federal, de 08 horas diárias e 44 semanais, conforme Orientação Jurisprudencial n. 235, da SDI-1, do C. TST.

Referido entendimento, no que toca aos trabalhadores rurais, não pode, com a devida vênia, prevalecer, havendo, ao reverso, que considerar devido o pagamento da própria hora + o adicional, e não apenas esse, uma vez que acreditar que a produção a mais recebida remunera o labor extraordinário, quanto a esses trabalhadores, não se coaduna com a Lei Maior, a par de ignorar o valor dessa conquista e provocar a paradoxal situação acima referidos. E não será, por certo, despiciendo, acrescentar que um tal proceder magoa o princípio da dignidade da pessoa humana, por coisificar o homem que trabalha por produção, no meio rural.

Aliás, que esse é o resultado -a coisificação do homem que trabalha por produção, no meio rural-, não há duvidar, pois a realidade do dia a dia está aí, para comprová-la, basta querer ver, o início das atividades de maneira precoce, com a entrada de meninos/adolescentes no trabalho desde muito cedo, o que faz, como é natural, que a força de trabalho se esgote também mais cedo, e o que se exige, além do máximo das forças de cada um desses trabalhadores, o que pode parecer contraditório, mas não é, pois o que é incoerente, além de perverso, é querer forçar a natureza e a resistência daqueles que trabalham, deles exigindo o que só a necessidade extrema pode atender, e mesmo assim por um período de tempo apenas, iludindo-os em sua simplicidade, atribuindo-lhes valores que não os beneficiam, mas aos que parecem dar um maior peso aos referidos valores, para, ao fim e ao cabo, não mais se importarem com esse trabalhadores, quando as forças, físicas e morais, tiverem já debilitado-os, tornando esses homens abatidos, desiludidos, não raro carregando pelo corpo marcas de acidentes e intraduzíveis condições de trabalho, e pelo rosto, a desesperança, talvez o mal maior que possa afligir-lhes a existência, quase e em muitos casos efetivamente sub-humana desde pequenos; conquanto não muito reduzida a transcrição infra, nesse comenos impõe-se levá-la a efeito:

"Dentre as razões da substituição rápida da força de trabalho na cultura da cana-de-açucar, representada pela entrada prematura de jovens no mercado, destaca-se a precoce diminuição de sua produtividade e, por consequência, sua desqualificação como mercadoria. As exigências de intenso dispêndio de força física para corresponder a um teto de salário, concebido por patrões e trabalhadores como patamar médio, transformam estes últimos em peça descartável a partir, aproximadamente, dos 35 anos, Por volta desta idade, dadas as limitações físicas acumuladas, sua produtividade tende a decrescer. O trabalho é desgastante, realizado sob condições adversas, que impõem rápida fadiga do trabalhador.

Este limite não é reconhecido pelo serviço de avaliação médica para afastamento remunerado do trabalho. O irreconhecimento do mal-estar dos trabalhadores pelos médicos deixa-os confusos porque expropriados de um diagnóstico e uma explicação. Fazem, então, recair a explicação do mal-estar sobre a consciência de sua debilidade e sobre a desvalorização da sua força de trabalho. Resistem sob o temor da ampliação das condições de miserabilidade.

Os entrevistados associam o mal-estar recorrentemente sofrido às condições penosas para o exercício laborativo. Ao mesmo tempo, atribuem o aumento do mal-estar à maldade do médico, único juz capaz de, por sua autoridade, contrapor-se à imposição da fadiga pelos patrões; por seu saber, reconhecer o sofrimento físico do trabalhador. Por tudo isto, o único agente capaz de suspender temporariamente a transferência de uma força física vital à reprodução da saúde. Enfim, mesmo aceitando que estas são as condições dadas para trabalhar, os entrevistados reivindicam o direito ao repouso remunerado, vital à recomposição das disposições físicas para o trabalho.

De tal modo os trabalhadores são vitimados por doenças e por fadigas não reconhecidas, que a solução que encontram para prolongar a sua capacidade de trabalho é se auto-atribuir o direito ao descanso não-remunerado. Os empregadores avaliam esta estratégia como preguiça ou desinteresse pela assiduidade. Por isso, compensam e privilegiam os que são assíduos, incutindo, também entre os trabalhadores, o orgulho por este reconhecimento. Os trabalhadores, assim prestigiados, passam a ser missionários da defesa da assiduidade. Incorporam este fato como atributo positivo de sua identidade social, enaltecida ainda pelo cumprimento do papel de provedor da família, mediante sacrifício e coragem de enfrentar tais vicissitudes" 03.

A descrição a seguir, feita pela ilustre Juíza do Trabalho Maria da Graça Bonança Barbosa, bem retrata a dramática situação vivida pelos trabalhadores rurais que atuam no corte de cana, dramática, mas bem verdadeira, infelizmente; são suas as seguintes palavras:

“Como visto, o trabalhador do corte de cana é aquele que trabalha sujeito às mais adversas condições de trabalho, sob o sol e exposto à fumaça e fuligem das queimadas, bem como aos animais peçonhentos e por isso tem que usar roupas pesadas, o que não favorece a ventilação do corpo.

Realizam um trabalho que requer grande esforço físico com movimentos repetitivos da coluna, ombros, pernas e braços, despendendo além do tempo da jornada normal e extraordinária, outras horas no trajeto do trabalho, morando em alojamentos fornecidos pelas usinas ou casas simples em que dividem o espaço com outros trabalhadores.

Há um outro fator que pode ser apontado como um agravante dessas condições já adversas de trabalho e que está a merecer uma maior reflexão de todos aqueles que se preocupam com o trabalho rural: a forma de remuneração dos cortadores de cana” 04.

Vale mencionar, ainda, o retrato realizado pela insigne Thereza Cristina Gosdal, assim feito:

"O trabalho no corte de cana é penoso, envolvendo movimentos constantes e de grande esforço; é mal remunerado e realizado, muitas vezes, com pausa reduzida, de 20 a 30 minutos (porque a pausa significa perda de tempo, em termos de produtividade e remuneração, que é por produção). Compreende comumente jornadas superiores à máxima legal permitida. Desenvolve-se sob o sol, em temperaturas altas e com trajes que cobrem o todo o corpo (com mangas compridas, calças compridas e lenço no rosto e pescoço), para proteção. Não obstante, frequentemente não há água potável para os trabalhadores no local. Além disso, são comuns situações em que não há banheiro para os empregados, ou há banheiro em más condições. Em muitos casos não há abrigo fixo ou móvel para proteção dos trabalhadores contra intempéries e para guarda e conservação das refeições, como prevê a NR 31. A comida, em geral, fica na bolsa ou mochila e, muitas vezes, estraga-se sob o sol. Não há respeito à privacidade dos trabalhadores, porque são permanentemente vigiados e monitorados pelos fiscais, que controlam e limitam suas conversas e movimentos. Dos trabalhadores se exige, por fim e por ironia, perfeito estado de saúde, já que, se houver sinal de adoecimento, ou apresentação de atestado médico, o trabalhador não mais obtém oportunidade de trabalho na região.

Alves descreve o trabalho no corte de cana e o esforço demandado:

'Um trabalhador que corte 6 toneladas de cana, num eito de 200 metros de comprimento, por 8,5 de largura, caminha durante o dia uma distância de aproximadamente 4.400 metros, despende aproximadamente 20 golpes com o podão para cortar um feixe de cana, o que equivale a 66.666 golpes no dia (considerando uma cana em pé, de primeiro corte, não caída e não enrolada e que tenha uma densidade de 10 canas a cada 30 cm). Além de andar e golpear a cana, o trabalhador tem que, a cada 30 cm, abaixar-se e torcer-se para abraçar e golpear a cana bem rente ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. Além disso, ele ainda amontoa vários feixes de cana cortados em uma linha e os transporta até a linha central. Isto significa que ele não apenas anda 4.400 metros por dia, mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de cana em montes de peso equivalente a 15 kg, a uma distância que varia de 1,5 a 3 metros" 05.

Mais:

"A ocorrência destes processos coercitivos na região" {Ribeirão Preto} " foi reiterada em relatório recente da missão realizada pela Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho (Plataforma DHSC). Dentre outros, o relatório menciona as jornadas de trabalho que chegam às 18 horas diárias; a média de 12 toneladas de cana colhidas por dia; os níveis de esforços exigidos para o corte da cana (com a necessidade de desferimento de 9.700 golpes de facão para o corte de 10 toneladas de cana), somados à não reposição adequada dos nutrientes e calorias perdidos...

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