Gripe Suìna.Tamiflu e políticas públicas:Brasil e Africa do Sul.

AutorFlavia Pessoa - Lorena Rocha
1- Introdução

O presente artigo visa a analisar a possibilidade do controle judicial de políticas públicas na área da saúde, tendo-se em conta as limitações existentes ao mesmo.

Para atingir o objetivo proposto, o artigo divide-se em cinco partes, sendo ao final expostas as conclusões.

Na primeira, é procedida a breve análise da metodologia de produção de trabalhos de Direito Estrangeiro, diferenciando-a do Direito Comparado, explicitando as premissas do trabalho. Na segunda parte, aborda-se o direito fundamental à saúde, através de seus múltiplos aspectos de raiz constitucional. Na terceira, discorre-se sobre como o judiciário sul-africano vem enfrentando o tema do concretização judicial do direito à saúde, demonstrando memorável decisão em prol da efetivação do mesmo. Na quarta, é traçado um panorama do trato do assunto no Brasil, tendo como subsídio o desafio surgido com a questão do Tamiflu e da Gripe Suína. Na quinta, é feito o comparativo entre as soluções jurídicas adotadas pelo Brasil e pela África do Sul. Finalmente, são apontados os pontos principais do texto.

2- Por que recorrer ao direito estrangeiro?

O estudo do direito comparado tem uma importância fundamental na medida em que fornece elementos para uma investigação científica do direito. Serrano (2006, p. 34) aponta como primeira grande utilidade das análises de direito comparado, a possibilidade de indicar as normas jurídicas afins nas legislações nacionais e estrangeiras, com o objetivo de confrontá-las para determinar as analogias e diferenças existentes entre sistemas e institutos, bem como avaliar o desenvolvimento e aproximação das legislações ou instituições jurídicas de diversos países, formando assim “o novo Direito Positivo Contemporâneo”.

Neste aspecto, há que salientar a advertência de Sacco (2001, p. 27) que chama a atenção para um sentimentalismo que sugere a idéia de que a comparação aumentaria a compreensão entre os povos e contribuiria para a coexistência das nações. Conforme demonstra o autor, a comparação pressupõe o conhecimento da regra jurídica estrangeira, a qual, por seu turno, pode suscitar simpatia, ou pode também conduzir a reações polêmicas. De qualquer modo, destaca Sacco (2001, p. 28) que a comparação não comporta necessariamente uma valoração, positiva ou negativa, favorável ou crítica, das outras instituições.

Prosseguindo no rol de finalidades do Direito Comparado, Serrano (2006, p. 35) acrescenta a de confrontar teorias e doutrinas jurídicas: conceitos, classificações, interpretações, correlações e generalizações jurídicas. Aponta, ainda, como finalidade, conhecer a natureza e evolução histórica das instituições do Direito, relacionando as notícias e tradições do passado com o presente. Também, indica a sua importância na descoberta e formulação dos princípios comuns que regem as relações das nações civilizadas, bem como na determinação da possibilidade de enriquecimentos recíproco entre normas jurídicas, e, por fim, o fornecimento de bases jurídicas e conclusões cientificas, a partir da experiência nacional e internacional, com o objetivo de aperfeiçoar os diferentes sistemas jurídicos.

Conforme se percebe, entre as finalidades apresentadas pelo autor, encontra-se a utilização do direito comparado para aperfeiçoamento do direito nacional. A esse respeito, Sacco (2001, p. 43) aponta que a comparação enquanto ciência visa adquirir dados teóricos, independentemente de ulteriores utilizações destes dados, de forma que ela, como pesquisa pura, já tem obtém por si resultados, tais como análises das diferenças e analogias entre common law e civil law, reconstruções científicas do etnodireito, balanço das transformações do direito afro-asiático frente ao direito europeu, indagações sobre diferenças entre o direito dos países capitalistas e o direito dos países socialistas. Estas conquistas, segundo o autor, são obra da ciência, ainda que não sejam seguidas da circulação de modelos.

O direito comparado pode dar margem à alteração da legislação interna de determinado país. Conforme ressalta Sacco (2001, p. 165) os modelos jurídicos mudam ininterruptamente por lenta evolução ou por sobreposição global, ocorrendo mutações propriamente originais - inovações, e as imitações. Segundo o autor, inovações de modelos jurídicos são feitas a todo instante, mas as únicas inovações que contam são aquelas que “provêm de uma ‘autoridade’, ou que são feitas precisamente por uma ‘autoridade’, ou que encontrem imitadores e adquiram assim uma difusão generalizada” (SACCO, 2001, p. 167). Por outro lado, destaca Sacco (2001, p. 167) que a natureza da inovação é mais ambígua, pois, se encontrar imitadores, será uma descoberta e, se não os encontrar, será uma opinião isolada, um erro.

Destaca Sacco (2001, p. 168) que nascimento de um modelo original é um fenômeno mais raro do que imitação. E a originalidade não é sempre acompanhada da ressonância que suscita em torno de si. Sacco (2001, p. 170) destaca as imitações de modelos e de leis, além das imitações doutrinárias e as judiciais. Nesse último grupo, destaca Sacco (2001,p. 171): a) Imitação direta de juízes por juízes; b) Imitação através de intermediários; e c) Imitação através de intermediários quando a jurisprudência de um país vem ilustrada pela doutrina nacional, sendo esta uma imitação da doutrina de um segundo país, a qual produz uma ulterior recepção judicial. Segundo o autor, assim como as imitações doutrinárias, as imitações judiciais são um tanto independentes das correlações dos modelos legais dos países interessados. A circulação ocorre, portanto, de modo transistemático, de formante a formante homólogo.

Por outro lado, Sacco (2001, p. 181) relata que os raros casos de inovação criativa e original dependerá de uma escolha política consciente, veiculada pelas mudanças na escala de valores ou na ideologia, ou mesmo pela tomada do poder por detentores de valores ou ideologias diferentes e opostos àqueles até então vigentes. Inversamente, às vezes a inovação é introduzida por fenômenos estruturais próprios daquele dado sistema jurídico. Assim, a racionalização dos modelos jurídicos ocorre por assimilação (tratamento idêntico de casos adotados de um elemento de analogia) e dissimilação (tratamento diferenciado de casos dotados de um elemento distinto). Menciona o autor, por outro lado, que as causas próximas da imitação, perceptíveis pelo jurista, praticamente se reduzem a duas: a imposição e o prestígio. As primeiras em geral são reversíveis e cessam quando a relação de força se modifica. Por outro lado, destaca Sacco (2001, p. 184) que o elemento mais encontrado à base da recepção é o desejo de apropriar-se das atribuições de outrem, quando estas carreguem uma qualidade que comumente chamamos de “prestígio”. O prestígio pode revestir um único instituto, ou um ordenamento inteiro. Por outro lado, ressalva o autor que um modelo não tem, no lugar em que surgiu, raízes mais profundas do que em outro, antes pelo contrário, porque “o caráter criativo do modelo A, surgido no país A’, implica que o país A’ tenha uma capacidade de inovação que poderá manifestar-se no futuro, com a substituição do modelo A por um outro modelo B” (SACCO, 2001, p. 185).

Por outra via, entre dois sistemas similares verifica-se uma tendência à produção de influências e imitações mais intensas do que a existente entre sistemas muito diferentes. Ainda, um sistema lacunoso será levado a imitações, quaisquer que sejam, para preencher-lhe o vazio. Destaca o autor, ainda, a relação entre direito, política e taxonomia: a regra ligada a uma escolha política capaz de despertar a paixão dos cidadãos certamente pode circular. Mas a imitação está vinculada a uma condição precisa: a regra circula se a idéia política circular (SACCO, 2001, p. 187). Destaca, ainda, o autor (2001, p. 187) que alguns modelos são mais fáceis de se observar e compreender. Por outro lado, o conhecimento do modelo a ser imitado necessita de um certo conhecimento da língua em que o modelo se expressa.

Além da modificação do Direito nacional, o Direito Comparado pode também trazer como resultado a Unificação, ou seja, a uniformização do direito. Nesse aspecto, Sacco (2001, p.194) destaca o crescimento de um “ardor universalístico” que nasceu quando o jurista tomou consciência das restrições que limitavam os seus horizontes, após a formação das barreiras nacionais e desenvolveu-se sobretudo quando se pensou que a uniformização estivesse chegando ao fim de um exame comparativo das soluções em questão, o qual teria premiado o modelo culturalmente sofisticado e socialmente mais evoluído.

Ao mesmo tempo, ressaltam-se também as críticas ao estudo comparativo. Segundo Marc Ancel (1980, p 16) três críticas principais foram levantadas contra toda pesquisa jurídica comparativa: em primeiro lugar, o direito nacional seria suficientemente difícil de ser conhecido com clareza para que se possa complicar com os sistemas estrangeiros; Em segundo lugar, o direito comparado seria uma fonte constante de confusão. Por fim, Ancel (1980, p. 16) destaca que outros afirmam que o direito de um país faz parte do patrimônio nacional.

Várias são as críticas também lançadas à denominação “direito comparado”. Nesse aspecto, Ancel (1980, p. 44) ressalta que o direito comparado consiste fundamentalmente na constatação dos pontos comuns e das divergências existentes em dois ou vários direitos nacionais. Seria, assim, essencialmente um processo de comparação, o que levaria a críticas à expressão direito comparado, pois não haveria direito comparado no sentido em que se fala normalmente em livros de direito...

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